São inúmeros os post’s nas redes sociais que referem o ganho de peso referente aos últimos meses: “10 dicas para não engordar na quarentena”, “quarentena: o que deve fazer para não ganhar peso”, “Medo de engordar na quarentena?”, “Engordou na quarentena: o que fazer”…
Para os que se estão a culpar neste momento pelas consequências físicas do periodo de isolamento, tenho uma boa noticia: é completamente normal ter ganho peso nestes últimos meses. Todos nós estamos muito menos ativos e as nossas emoções e rotinas estão descontroladas. Tal como já referi noutro artigo, a comida muitas vezes funciona como um regulador emocional, uma forma de obter um certo conforto e aconchego em momentos de alto stress. Então, talvez seja normal comermos mais se estamos stressados, fechados numa casa cheia de comida.
As nossas rotinas alimentares foram alteradas, cozinhamos mais, temos mais tempo para comer e desfrutar da comida, compramos mais comida, experimentamos as tais receitas que guardamos anteriormente “por falta de tempo”. Para ajudar ainda mais, as calças de ganga foram substituídas por fatos de treino confortáveis, alterando a nossa perceção corporal.
Contudo, olhando à nossa volta, para todos os riscos associados à pandemia, talvez ganhar uns quilos extra não seja um problema assim tão grave, na verdade, talvez não seja sequer um problema. Então porque nos afeta tanto?
Esta temática relembra as perturbações do comportamento alimentar (PCA) como a anorexia ou a bulimia. Apesar de todos poderem ser afetados, sabemos que as mulheres são as que mais desenvolvem PCA’s, daí talvez serem mais afetadas pelo desconforto pós-pandemia relacionado com o peso.
Este desconforto está muito relacionado com a forma como nos relacionamos com o nosso corpo e peso e como interpretamos o “engordar”, sempre com uma conotação negativa. Esta preocupação é um reflexo da valorização da magreza, algo muito cultural, associado a muita pressão externa em manter determinados padrões.
Muitas vezes, julgamos o nosso valor em grande parte em termos de forma e peso e da capacidade de controlá-lo, valorizamo-lo de uma forma absurda, como se o nosso peso nos definisse. Na teoria, todos nós percebemos que isso não faz nenhum sentido, o valor de ninguém poderá ser julgado de acordo com o seu peso, mas na prática, fazemo-lo diariamente, connosco e com os outros.
Fazer uma autoavaliação com base na aparência/peso é bastante problemático, não só em tempos de pandemia. Alguns aspetos da vida são extremamente voláteis, como a aparência física, beleza, formas corporais, portanto, ao determinarmos o nosso valor com base nestes parâmetros estamo-nos a condenar à sensação de fracasso, pois não são aspetos controláveis, muito menos com o avançar da idade.
Portanto, o peso não pode ser algo que ocupe o nosso pensamento neste momento, nem nunca. Isto para nosso próprio bem. Devemos refletir sobre os aspetos que valorizamos na nossa vida, pois eles são os fatores pelos quais nos definimos. Devemos avaliar quais deles são alteráveis e incontroláveis (peso, beleza, notas escolares, posses financeiras, admiração dos outros…) e quais são controláveis (os nossos valores, por exemplo).
Para quem sente a pressão de “corrigir o problema”, lembre-se: o objetivo não é iniciar uma dieta restritiva para “compensar”. As dietas restritivas têm um grande impacto na diminuição do nosso bem-estar mental (mudanças de humor, obsessão, diminuição de autoestima) e físico (aumento da probabilidade de ocorrerem “descontrolos alimentares”, ou seja, compulsões alimentares e diminuição das defesas corporais, aumentando a probabilidade de adoecer).
Por outro lado, não se exercite de forma obcecada. Se o exercício não for feito com o objetivo de aumentar o bem-estar de alguma forma, não deve ser feito. Ao exercitar-se apenas para perder peso só aumenta a pressão para o fazer e provavelmente terá as consequências contrárias.
Confie do seu corpo e foque-se, dentro das suas capacidades e limites, em restituir a rotina de uma forma saudável.