Após o falecimento de alguém importante para nós, é natural existir um período de desorganização e reestruturação que pode demorar mais ou menos tempo. Segundo alguns autores, passamos por 5 fases (não lineares) ao longo do processo de luto, (1) o entorpecimento, (2) a verificação da separação e dor, (3) o desespero pelo não retorno, (4) a aceitação e depressão e por fim (5) a resolução e reorientação. A duração e organização destas fases vai depender de vários fatores como a proximidade à pessoa falecida, os sistemas de apoio emocional, o nosso contexto…
Existe muitas vezes a crença de que este processo não se dá nas crianças, que as crianças não sentem a perda, “não sofrem porque não entendem”o que nos leva muitas vezes a desvalorizar o seu sofrimento. As crianças, quando perdem alguém significativo também passam por um processo de luto. Contudo, é natural, que quando esta se confronta com o falecimento de um ente querido, o luto seja diferente, porque tem formas de olhar e compreender este fenómeno diferentes das de um adulto.
É difícil para nós adultos falar com as crianças acerca da morte, principalmente pelo facto desta nos gerar angústia e por isso mesmo sentirmos a necessidade de proteger as crianças desse mesmo sentimento, correndo o risco de obter consequências piores. Por vezes, o nosso instinto de proteção leva-nos a afastar os menores dessa realidade, o que não permite que se confrontem com ela de forma adaptativa. É importante permitir que a criança lide com a experiência, sempre com muito apoio emocional, com o objetivo de aprender estratégias para lidar com a perda.
Como é expectável, existem perdas que numa criança podem ter um impacto muito maior, fazendo com que se torne difícil lidar com as mesmas. Entre elas encontram-se a morte dos pais, principalmente da mãe, entre os 11 e os 18 anos, a perda de um irmão durante a infância e de um familiar próximo como os avós, tios ou primos.
Evolução do conceito de morte:
É importante perceber que o conceito de morte se vai desenvolvendo e alterando com a idade, portanto, é normal que perante crianças de idades diferentes, tenhamos ideias acerca do significado da morte diferentes também. A expressão do sofrimento é comum a todos os humanos dotados de emoções desde as fases mais precoces, por isso, a ideia que as crianças não se apercebem ou não sofrem com a perda é totalmente errada.
Existem 5 conceitos importantes que utilizamos para perceber o significado de morte. Estes vão-se alterando com a idade, como veremos de seguida, fazendo com que vivenciemos a perda de formas diferentes ao longo da vida.
- Universalidade: noção de que afeta todos os seres vivos;
- Irreversibilidade: que não se volta a viver;
- Não funcionamento: o corpo não volta a responder/funcionar;
- Incontrolabilidade: não depende dos nossos pensamentos;
- Final da vida: não sabemos o que acontece depois, dando espaço a um grande mistério.
A compreensão da morte, depende do nível de desenvolvimento cognitivo da criança, portanto é natural que estes conceitos tenham diferentes papeis na visão do que é a morte. Veremos então como é que estes conceitos variam com a idade:
Com menos de 6 anos:
O conceito de universalidade ainda não está desenvolvido, ou seja não o entendem, acreditando que vivem para sempre; Irreversibilidade: não entendem o “para sempre” associado ao fenómeno; Não compreendem o conceito de não-funcionamento; Incontrolabilidade: têm o que chamamos de “pensamento mágico”, estando presente a ideia que a morte foi consequência de algo que ela fez, por não se ter portado bem, por exemplo, surgindo sentimentos de culpa; Final da vida- não compreendem a não-existência.
Dos 7 aos 11 anos:
Nestas idades, começam a questionar a própria morte e dos outros significativos, surgindo os medos associados à mesma. Sendo que só aos 12 anos se começa a produzir uma aceitação morte.
Aos 7 anos, a morte torna-se irreversível e o conceito de não-funcionamento é claro, desaparece o pensamento mágico, perdendo-se a noção de algo que fizeram esteve associado à perda. A curiosidade característica desta fase faz com que surja a ideia de que a morte deverá ter uma explicação.
O grupo de pares é muito importante nesta fase porque as reações de luto podem gerar isolamento e distanciamento por parte dos outros.
Com mais de 11 anos:
As semelhanças com os adultos são cada vez mais, portanto a forma de olhar para a perda e de a vivenciar também se vai aproximando. As emoções são vividas com grande intensidade nesta fase, por vezes até mais intensas do que nos adultos. Surge um grande interesse no pós-morte, na existência ou não-vida.
Estas idades correspondem a uma fase de crescimento e de mudança relativa ao nível de independência e individuação, portanto de grandes conflitos com as figuras parentais. Quando se dá a perda de um deles, os sentimentos de culpa podem ter um lugar de destaque, tornando o processo difícil. A ideação suicida pode surgir como um mecanismo de lidar com o sofrimento consequente da perda e pode surgir a necessidade de evitar mostrar fragilidade e daí a não-partilha das emoções.
Seja qual for a idade, uma perda provocará momentos de instabilidade e uma necessidade de reorganização. Para ajudar as crianças a lidar com ela da melhor forma existem dois aspetos essenciais: as rotinas e o suporte emocional.
Manter as rotinas é importante, pois a morte impõe um grande desafio, a reestruturação familiar, implicando por vezes novos papeis e hábitos. O suporte social (família, amigos, escola) é também determinante para um processo de luto calmo uma vez que promove uma melhor gestão emocional. A criança, mesmo que muito pequena, precisa de comunicar e ter um adulto que dê apoio, contudo, as crianças comunicam de forma diferente dos adultos, logo é essencial dar outras alternativas como o jogo ou a arte que lhe permitam fazê-lo. O aspeto essencial desta questão reverte sempre para a ideia de que apesar da idade, todos nós sofremos com a perda de alguém, independentemente da idade ou da forma como entendemos a morte.