Relações atribuladas com a comida

A alimentação tem, não só um papel funcional, enquanto processo de obtenção de nutrientes essenciais, como tem uma série de funções sociais e emocionais. Comemos sem fome, pelo prazer que esse comportamento nos traz e utilizamos a comida e a refeição para criar momentos de interação social. A partir dos 6 meses de idade o bebé deixa de ser exclusivamente alimentado por leite materno e começam a ser introduzidos progressivamente outros tipos de alimentos na sua dieta, iniciando o primeiro contacto com os alimentos.

A alimentação tem um destaque muito grande na nossa vida e apesar de ser fonte de prazer muitas das vezes, pode também ser fonte de ansiedade e desconforto. Os problemas alimentares são cada vez mais comuns e podem ser de variados tipos, afetando tanto adultos como crianças e jovens. Os problemas da alimentação infantil mais frequentes são a alimentação seletiva (normalmente em crianças mais pequenas), a alimentação em excesso e a restrição alimentar (na adolescência). Por vezes os jovens apresentam apensas alguns traços de alguma perturbação alimentar, ou de várias, contudo não é possível um diagnóstico específico. Apesar de parecerem completamente distintas e opostas até, elas estão muitos interligadas, podendo até originar-se umas às outras.

Neste artigo abordarei algumas das mais frequentes Perturbações Alimentares.

Alimentação seletiva ( < 6 anos)

Ocorre, normalmente, em idade pré-escolar e caracteriza-se pela recusa em comer certos alimentos. Se pensarmos nesta questão da recusa parece comum as crianças recusarem comer quando os pais mandam ou certos alimentos, e a verdade é que é comum, e não tem de ser um problema. Este comportamento só se torna patológico quando é excessivo e tem impacto no ganho de peso e desenvolvimento.

Por vezes estas crianças desenvolvem hipersensibilidade ao sabor, textura, cor dos alimentos, recusando alimentos com certas características, esta tendência é encontrada frequentemente em crianças com Perturbação do espetro do Autismo.

Esta dificuldade pode surgir por duas razões principais: 1) terem pais que por opção restringem a variedade alimentar; 2) Episódio traumático relativo à comida (E.g.: engasgamento,…).

Obesidade (Todas as idades)

Esta perturbação é definida pelo Índice de Massa Corporal (IMC) a cima da média para a sua idade, ou seja, peso demasiado elevado para a sua idade e altura. A obesidade tem-se vindo a tornar cada vez mais comum a nível global, sendo uma das principais causas de morte atuais, tendo ultrapassado a fome como causa de mortalidade. Em Portugal, 1 em cada 3 crianças tem excesso de peso, e a maioria destas crianças serão adultos obesos.

Esta tem como consequências uma série de outros problemas físicos, como o aumento de doenças cardiovasculares ou a diabetes. Por outro lado, as crianças obesas são com frequência rejeitadas pelos colegas, abrindo aqui a possibilidade de dificuldades de socialização, emocionais e até outras perturbações alimentares.

Anorexia Nervosa (pico dos 15 aos 18 anos)

É uma perturbação mais frequente nas raparigas, contudo não é exclusiva. Resume-se a uma preocupação constante e excessiva com o peso e forma corporal, originando comportamentos de restrição alimentar para o controlar. Podem estar associados comportamentos purgativos como a indução de vómito, exercício físico excessivo e uso de laxantes e diuréticos. Nestes casos o peso está abaixo do normal, sendo pessoas efetivamente muito magras, contudo existe uma desvalorização desse baixo peso, acompanhada de uma obsessão com alimentos, calorias e peso. Esta tem um impacto físico muito grande, podendo levar a uma desnutrição extrema. Nas raparigas pode até ocorrer um fenómeno chamado amenorreia, ou seja, a ausência de menstruação devido ao baixo peso.

Os fatores sociais têm um peso significativo no desenvolvimento da patologia, como as mudanças, momentos de instabilidade, stress, e até comentários “inofensivos” por parte de amigos ou família (E.g.: “estás mais gordinha…”).

Bulimia Nervosa (raparigas: dos 16 aos 35 anos, rapazes por volta dos 30 anos)

O aspeto central desta perturbação é a presença de compulsões, ou seja, episódios deconsumo de uma grande quantidade de comida em pouco tempo, geralmente muito calórica. Estes episódios podem ser seguidos de comportamentos de compensação como a indução de vómito ou o jejum, devido à sensação de perda de controlo e ansiedade associada à compulsão.

O objetivo destes doentes é a perda de peso, contudo, devido às restrições profundas que fazem para perder peso, acabam por ter episódios de compulsão, surgindo então o sentimento de culpa e a “necessidade” de vomitar, queimar calorias através do exercício físico ou restringir a alimentação, criando um ciclo vicioso.

Compulsões alimentares (6-13 anos)

São episódios de compulsão alimentar tal como surgem na bulimia, contudo, não estão associadas a comportamentos compensatórios ou a ansiedade e preocupação com o peso ou forma corporal. Estes episódios são bastante frequentes e levam muitas vezes ao desenvolvimento de obesidade.

Fatores que influenciam o desenvolvimento das Perturbações alimentares:

  • A nível genético podemos destacar os traços obsessivos e perfecionistas como um dos principais potenciadores do desenvolvimento de uma Perturbação alimentar;
  • O impacto da sociedade ocidental: a grande valorização do corpo e magreza constantemente reforçada pelas redes sociais e publicidade;
  • Traumas: como o bullying ou abuso sexual, com grande impacto nos sentimentos em relação ao corpo;
  • Comportamentos alimentares desadequados na família (E.g.: dieta familiar, Existência de Perturbações alimentares na família, pais muitos críticos…)

É importante reconhecermos a gravidade de cada uma destas perturbações, assim como as consequências que podem trazer para a nossa vida. É também essencial reconhecer quando devemos pedir ajuda profissional para evitar a evolução de um problema ainda mais grave.

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