O fazer “xixi na cama” não gera normalmente preocupação aos pais, aliás, faz parte do desenvolvimento normativo de qualquer criança. O controlo dos esfíncteres dá-se quando há uma passagem de um comportamento automático para um comportamento controlado/voluntário. Aos 2/3 anos a maioria das crianças adquire o controlo diurno, sendo que o controlo noturno é adquirido entre os 3/5 anos. Contudo, apesar das diferenças normais entre as crianças, existem crianças em que a falta de controlo dos esfíncteres é considerada uma patologia, a esta damos o nome de Enurese.
A enurese é considerada uma perturbação de eliminação da urina em que a criança com mais de 5 anos, emite repetidamente urina em locais inapropriados (cama, roupa…). Esta perturbação pode dividir-se em dois tipos relativamente ao seu curso: a enurese primária, quando nunca adquiriu a continência; e a enurese secundária, em que a perturbação se iniciou depois de um período de continência. Existem ainda três subtipos: a enurese diurna (ocorre só durante o dia), noturna (só durante a noite) ou mista.
Podemos ver a enurese primária como um atraso desenvolvimental, ou seja, uma falha na aprendizagem de um conjunto de hábitos devido a um atraso de desenvolvimento nas vias responsáveis pelo controlo da bexiga.
Por outro lado, a enurese secundária é despoletada por vários possíveis fatores como o stress (mudança de escola, chegada de um irmão, divórcio dos pais…), que pode levar a um retrocesso no desenvolvimento normativo. Devemos perceber estes como fora do controlo da criança.
Como é que um psicólogo pode ajudar
Em primeiro lugar é necessário normalizar as dificuldades. É importante as crianças perceberem que não têm nenhum “defeito” (obviamente, depois do despiste de causas físicas que possam estar na origem do problema). Algumas crianças têm mais dificuldades em aprender a falar, outras a caminhar, algumas em “ouvir os sinais do seu corpo” e deixar de molhar a cama ou a roupa.
Este é, inicialmente, um processo de descoberta em que a criança aprende a conhecer o funcionamento do seu corpo e a estar mais atento aos sinais fisiológicos para assim lhes dar resposta.
É importante a criação de hábitos e rotinas associadas ao ato de urinar, mesmo que não tenha surgido a necessidade de usar a casa de banho. Alguns exercícios poderão ser uteis na aquisição dessa competência, o treino da ida à casa de banho é importante para desenvolver hábitos de ir à casa de banho e urinar, seja durante o dia como durante a noite.
Aumentar a capacidade funcional da bexiga quando estão acordados é também algo com muito impacto neste processo de aprendizagem. Consistindo na aplicação de uma série de estratégias que potenciam o atraso da micção, ou seja, a capacidade da criança a retardar depois de surgir a necessidade de urinar.
O treino de limpeza e recompensas é também algo muito útil na evolução destes quadros clínicos. É necessário, por um lado, responsabilizar a criança pela gestão das consequências de urinar na cama, por outro lado, usar o quadro de recompensas como reforço do comportamento desejado, com a possível obtenção de um prémio. O ato de responsabilizar as crianças não significa culpá-las, criticá-las ou castigá-las pelo que fizeram. Esses comportamentos só aumentarão a frustração e stress na criança e piorará estes comportamentos.
O alarme da urina é a metodologia com maior sucesso, relativamente à sua eficácia. É utilizado normalmente como último recurso caso a combinação dos exercícios de consciência corporal (onde desenvolve a consciência das sensações corporais associadas à vontade de urinar), registo e reforço não surtam efeitos, o que geralmente não acontece. Consiste num aparelho que se coloca na roupa interior da criança que deteta os líquidos e ativa um alarme sonoro ou vibratório. O som do alarme tem a função de despertar a criança para que esta se possa levantar e ir urinar na casa de banho.
Apesar de ser um quadro relativamente simples e rápido de tratar, é fundamental reconhecer que se trata de um processo gradual, onde as noites secas vão surgindo e aumentando em frequência com o passar do tempo e com algum treino. As recaídas são inevitáveis, não é expectável que a criança adquira o controlo a 100% desde o início do tratamento.
Toda a aprendizagem exige treino e neste caso, o empenho e adesão por parte da criança e dos pais é um fator essencial para a superação deste “problema”, sendo que sem empenho e dedicação o tratamento pode ser posto em causa.